14.7.05

"O que faço hoje não é uma preparação para o que quero viver, mas resultado do que vivi"

Aos 18 anos, tive o primeiro contato com o Mundo Negro em Movimento. Vivi e ouvi situações e falas pretas, que me fizeram relembrar algumas frases ditas por minha mãe e por meu pai:
“Você não é melhor nem pior do que ninguém”.
“Não deixe ninguém montar no seu pescoço”.
“A gente tem que lutar muito, tem que estudar, ler, pra ser alguém na vida”.
“Você precisa cuidar dos seus”.
“Quando você tiver os seus filhos, você vai entender”.
“Sua família sempre será sua família”

Essas vivências oportunizadas pelo Movimento Negro provocaram em mim a necessidade de registrar textualmente a declaração abaixo:

Minha cor fugiu de mim
E eu, que sempre a escondi, fiquei perdida.
Encontrei-a.

Firmo a presente declaração:
Prometo, a minha identidade, nunca mais relegá-la ao segundo plano.
Belo Horizonte, 1988

De lá para cá, muitas emoções, raivas, alegrias, decepções, confrontos, sonhos, dores, amores, união, mãeternidade...

Na existência mãeternal, dois erês aproximaram o meu olhar do universo infantil. Do processo prazeiroso, uma antiga e esquecida dor retornou com intensidade. A dor de não querer ser NEGRO/NEGRA. Vivida pelos filhos, sentida pela mãe e pelo pai.

Em casa, carinho, atenção, diálogo, explicações e cumplicidade.
O QUE FAZER PARA FORA DE CASA?

A atenção foi dirigida para ouvir, observar, interagir com crianças de 0 à 6 anos, “infantes” que socialmente não têm voz.

Nesse processo, acompanhada de leituras, que orientaram minha observação ouvi o que ouvem, percebi o que observam e constatei como são tratadas as crianças negras e afrodescendentes, desde a gestação.

Ao buscar o diálogo nas instituições que atuam com Educação Infantil, foram identificadas algumas crenças, através de falas e práticas, que oportunizam a manifestação discriminatória e racista, tornando-a natural e promovendo o desconforto racial nas crianças que freqüentam estes espaços:
. "O negro não valoriza o próprio negro, por essa razão a criança negra tem baixa auto-estima".
. "As crianças não percebem as diferenças físicas entre si".
. "Falar sobre a diferença, cria ou aumenta o preconceito".
. "Desenvolver atividades que coloquem negras e negros em evidência pode ser tomado pelas famílias como uma postura racista".
. "Tenho medo do que isto (explicar as diferenças fenotípicas)pode causar".
. "O preconceito é colocado nas crianças pela família e não é possível modificar isso".
. "Todos são iguais e recebem um tratamento igualitário".
. "Não se deve falar das diferenças físicas, deve-se ignorá-las, assim as crianças também as ignorarão".

Essa constatação provocou o desejo de produzir cartões artesanais que positivassem a estética negra. O convite da Secretaria Municipal de Cultura para fazer oficinas de confecção de cartões no Circuito Negro, em belo Horizonte, trouxe a oportunidade de valorizar a beleza das estéticas negras. As oficinas oportunizaram também o diálogo com crianças e adultos sobre a cultura e a história da população negra no Brasil. Assim nasceu a Oficina Sonhos em Papel – Identidades em Construção.

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